Toxina

 

O tétano resulta da acção de uma neurotoxina, TENT, produzida numa ferida colonizada por C. tetani. Esta neurotoxina impede a libertação de neurotransmissores inibitórios, como o GABA (ácido gama-aminobutírico) e a glicina, provocando a inibição de reflexos motores. Os terminais dos neurónios motores funcionam como ‘portões’ que permitem a entrada da toxina no SNC. De facto, a toxina entra por essas terminações nervosas, sendo que segue um fluxo intra-axonal retrógrado, sendo depois libertada nos fluidos extracelulares do SNC, nomeadamente na espinal medula.

A neurotoxina entra pelos neurónios motores alfa das junções neuromusculares, e é seguidamente transportada para outros neurónios, principalmente para neurónios inibitórios pré-sinápticos na espinal medula, onde a acção das antitoxinas está impossibilitada.

A neurotoxina responsável pela doença do tétano denomina-se tetanospasmina, e liga-se irreversivelmente a receptores gangliosídicos das membranas dos neurónios motores. A toxina é produzida em ambientes anaeróbicos por C. tetani e não assume funcionalidade fisiológica na bactéria. Esta toxina tem um peso molecular de 150 kDa e é constituída por duas cadeias: uma cadeia leve, cadeia-A, de 50 kDa e uma cadeia pesada, a cadeia-B, de 100 kDa. As duas cadeias estão ligadas por uma ponte dissulfureto (dose letal em humanos: 0,1 a 3 ng por kg).

A elevada potência da tetanospasmina resulta da sua especificidade para os receptors gangliosídicos e para a clivagem das SNARE’s. O seu mecanismo de ligação, internalização na célula e acção é facilitado pela existência de domínios na sua estrutura tridimensional. Na cadeia pesada existe uma extremidade C-terminal que reconhece gangliósidos da membrana (GD2, GD1b, GM1a e GD3), sendo que esta extremidade possui dois domínios, um de ligação à lactose e outro de ligação ao ácido siálico (presentes nos gangliósidos), devido à sua elevada especificidade. Por outro lado, depois da entrada na célula, a cadeia leve hidrolisa especificamente a sinaptobrevina, ou outras proteínas dos complexos SNARE, bloqueando assim a exocitose dos neurotransmissores inibitórios.

A cadeia pesada é responsável pela ligação da toxina aos neurónios e liga-se aos disialgangliósidos GD2, GD1b, GM1a e GD3 - glicoesfingolípidos com cadeias complexas de açúcares como cabeça polar, possuindo dois resíduos de ácido siálico, existentes no folheto externo da membrana plasmática. Esta ligação é irreversível e a função nervosa só pode ser retomada ser ocorrer crescimento de novas terminações e criação de novas sinapses.

 

 

 

 Já a cadeia leve, responsável pela toxicidade da toxina, é uma metaloprotease, mais especificamente uma zincoendopeptidase que ataca a sinaptobrevina, uma VAMP (proteína membranar associadas a vesículas). Esta sinaptobrevina, juntamente com a SNAP-25 e a sintaxina formam o complexo SNARE, responsável pela exocitose de neurotransmissores. O zinco é necessário para a actividade intracelular da toxina. A remoção do ião (quelação) medeia a desintoxicação ao alterar a estrutura secundária da cadeia leve. Inibidores da zincoendopeptidase (phosphoramidon, captopril ou thiorphan) contrariam a acção inibitória da toxina no meio intracelular, podendo funcionar assim como agentes farmacológicos no tratamento do tétano. Mutações nas sequências de aminoácidos no local de clivagem das sinaptobrevinas podem torná-las resistentes à proteólise pela toxina, enquanto que a resistência por parte das SNAP-25 ocorre por alteração dos aminoácidos no sítio de clivagem e nas suas redondezas. Isto pode ser explicado porque o sítio de clivagem da sinaptobrevina é também essencial para a sua função (ligação com outras SNARE’s), logo não há degradação do compelo SNARE. A toxina cliva uma ligação peptídica nas sinaptobrevinas, com consequência a nível da exocitose de neurotransmissores inibitórios.

  

 

A bactéria também produz tetanolisina, uma toxina sem função conhecida mas que se acredita que contribui para a patogénese do tétano. Faz parte de uma família de proteínas, as citolisinas, e liga-se ao colesterol (é portanto inibida pelo colesterol). A tetanolisina forma poros nas membranas que permitem a passagem de iões e pequenas moléculas para dentro da célula (peso molecular, 55 kDa)